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Quantas vezes já ouvimos a frase “não se fazem mais ‘isso’ como antigamente”? Quantas dessas vezes o ‘isso’ se referia a celulares? De fato, não se fazem mais celular como antigamente. Estima-se que a durabilidade de um aparelhinho de hoje em dia seja de 40% do que era antigamente. Mas isso pode ser bom.

Antes que você fique sem entender, lembre-se do famigerado “Nokia bunda”, – ou seu nome correto, Nokia 2280 – o tijolão azul que todos nós tivemos. Seu maior atrativo era, com certeza, o (igualmente famigerado) jogo da cobrinha, sua bateria eterna e seu incrível poder de telefonia. Vamos usá-lo como parâmetro.

De lá para cá, a mesma marca já lançou mais de 10 celulares mais evoluídos. Cada um foi ganhando um novo atributo: display colorido, teclado qwert, capinhas coloridas, tela deslizante, câmera, áudio mp3, GPS, e o mais recente, sistema Windows. A Nokia, assim como outras, acompanhou a evolução da espécie e atendeu às demandas do cliente. E isso não é necessariamente ruim.

Até aí nós já sabemos, certo? Errado. Esquecemos um detalhe importante: o tempo entre um lançamento e outro ficou cada vez menor. Perdemos o senso do tempo pois começamos a nos apegar aos atributos (e quando digo isso, não me refiro apenas ao maravilhoso mundo da tecnologia, mas sim também às relações sociais). Os phones logo se tornaram smartphones, o “joguinho da cobra” logo se tornou Minecraft, Angry Birds, candy crush e o que mais você conseguir administrar. Falar ao telefone já não bastava mais pois a geração visual, que já não lida com o contato físico da mesma forma, precisava ver a pessoa, ou pelo menos ver algo. Mas calma… isso não é necessariamente ruim.

Logo, já não importava mais se a tela trincasse com facilidade, contanto que ela tivesse cada vez mais polegadas. Os gigabytes, cada vez mais maiores, ainda se fazem insuficientes perante a imensidade de fotos e vídeos que uma mesma pessoa consegue guardar – sem nunca sequer assisti-los novamente. Isso porque as câmeras, ah, as câmeras! Elas fazem até fotografia em movimento, panorâmica, high definition, com velocidade mínima de obturador para captar o bater de asas de uma borboleta, time lapse, boomerang. Ah, as câmeras. Nada de necessariamente ruim aqui!

Se a bateria dura pouco? Sem problemas! Criamos carregadores portáteis para que assim nunca tenhamos que finalizar as nossas tarefas devidamente, ou assistir a um vídeo com menos brilho. Falando em vídeos, agora você tem todos eles ao seu alcance, a qualquer momento. Só depende de um toque do seu dedo. Mas quem disse que isso é necessariamente ruim?

Maurício Horta, em seu livro “O lado bom dos seus problemas”, disserta sobre como nossos piores males de fato podem vir para o bem. Dentre os vários exemplos discorridos, Horta cita o tédio. Baseando-se sempre em estudos estrangeiros e dados consolidados, ele nos leva a concluir junto com as linhas de raciocínio apresentadas de que, graças ao tédio, cansamos do que conhecemos e construímos coisas cada vez mais grandiosas. Basicamente, foi esse sentimento que nos inquieta o responsável por termos chegados até aqui. E isso lá é necessariamente ruim?

Tornar os celulares cada vez menos resistentes, na realidade, é um atendimento à nossa demanda, por pior que isso seja. Entramos em um ritmo de anseio pelo novo para ontem graças a esses tantos lançamentos. O tédio com a antiga função levou o criador a otimizá-la e melhorá-la para que seu cliente ficasse ainda mais surpreendido. E mais. E mais. Nunca é o suficiente, mas isso não é necessariamente ruim.

O ser humano e sua insatisfação crônica milenar criou a roda para que pudesse aproveitar ainda mais suas míseras 24 horas por dia. Criou o forno elétrico para que não dependêssemos apenas da força da natureza do fogo. Criou os celulares para que pessoas distantes pudessem se comunicar sem as limitações que a telefonia fixa apresentava. E cria, a cada dia, mais funções que nos salve do tédio da própria existência. Que não nos conforme com a separação, ou com a distância, ou com a demora. Que fosse uma extensão dos nossos próprios sentidos – como a câmera, que capta o que nossos olhos não conseguem registrar. É tudo semiótica, e ela não é necessariamente ruim.

As repetições não foram em vão. Conduzi essa reflexão para que refletissemos: o que significa menor resistência de um celular? A bateria, que dura menos, eu sei!, só tem esse tempo reduzido devido aos aumentos de possibilidade na sua experiência androide. O touch, cada vez mais fino e sensível, trinca mais fácil por ser cada vez mais fino. Os giga bytes, sempre tão pequenos, são um reflexo de quantas coisas você guarda sem nem mesmo precisar – seja no armário, nas relações sociais, ou no celular. E isso talvez seja ruim.

Se a demanda econômica do capitalismo exige que eles sejam barateados para que se façam em maior quantidade? Talvez. Mas pare pra pensar: eles aumentaram a quantidade de produção para que você possa ter o celular da empresa, o pessoal, o familiar. Para que seu irmão de 7, 8 anos, tenha um sem que ele sequer tenha contatos para anotar. Isso se faz um pouco ruim.

As empresas e seus departamentos de marketing têm você, leitor, como peça de estudo. É a partir das suas vontades e necessidades que eles vão se adaptando. Se o desejo insaciável por novidades tem sido o principal foco atual do jovens, é ali mesmo em que eles vão se pendurar. Cabe a nós mesmo pensar: temos agido de forma necessariamente… ruim?

 

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